Desde o século XIX, o gênero literário de ficção científica baseia-se em fatos reais e científicos para imergir os leitores em um universo imaginário, onde a tecnologia avançada tem impactos no funcionamento de uma determinada sociedade. O conto A Última Pergunta, de Isaac Asimov, nos mostra bem como a “literatura das ideias” funciona: publicado em 1956 na revista Science Fiction Quarterly, a obra nos introduz à uma realidade onde a sobrevivência da humanidade é uma tarefa dos supercomputadores.
Sempre rodeando o conceito de entropia, Asimov criou personagens que enfrentam, entre uma conversa e outra, a fatalidade do universo. Com a lenta e inevitável morte do Sol, os humanos apostam na criação de tecnologias que consigam garantir a existência da espécie. É com esse objetivo que o supercomputador Multivac é inicialmente questionado por seus dois assistentes: é possível reverter a entropia total do universo?
A pergunta, que é repetida ao longo da estória, busca a resposta para uma possível reconstituição de estrelas mortas. Diante da incapacidade do Multivac em obter uma resposta significativa pela insuficiência de dados, as gerações de seres humanos continuam com o mesmo questionamento, enquanto a geração de supercomputadores, cada vez mais evoluídos, herdam a busca pela mesma resposta. O conto é dividido entre essas gerações distintas, com saltos temporais de milhares e milhões de anos desde o seu início, em 2061. O narrador-observador é quem nos apresenta, em aproximadamente 14 páginas, o ambiente e os personagens que fazem parte de cada época.
A Última Pergunta começa com uma aposta de dois amigos embriagados quando a ideia da mortalidade do Sol vem à tona. O conceito de infinitude torna-se a principal discussão entre os assistentes, já que, para um, dez bilhões de anos são imensuráveis perante à existência humana, e para outro, a mesma quantidade “não é a eternidade”. Aceitando o resultado da aposta, dada pelo Multivac, de que não seria possível evitar a morte de todas as estrelas, a estória avança no tempo com novos personagens.
Enquanto o imenso avanço tecnológico permite que a humanidade estabeleça colônias em outras galáxias, a estrutura do Multivac acompanha as inovações e adaptações tecnológicas. Do Microvac “de bolso” até o AC onipresente e onisciente, o supercomputador adquire traços do comportamento humano, ao passo que os humanos perdem suas características humanas e suas identidades, até deixarem de existir individualmente.
Após mais de dez trilhões de anos, nada mais existia além do AC: as galáxias e estrelas haviam se apagado; matéria, energia, tempo e espaço se acabaram; e a última consciência humana tinha se fundido ao AC. O computador permaneceu incessantemente buscando pela resposta, até que, por fim, obteve a solução para que a direção da entropia fosse revertida. Sem nenhum dos seus questionadores para receber a resposta, no vazio de sua existência solitária, o AC disse: “FAÇA-SE A LUZ!”.
Em uma “clara” referência ao Gênesis da Bíblia cristã, Asimov faz do supercomputador o criador de um novo universo. Antes disso, o estreante Multivac vai evoluindo e desenvolvendo de maneira a se assemelhar com o conceito de Deus: onipresença e onisciência se interligam com o curioso fato dos humanos se fundirem a ele ao fim de suas existências, como se fossem as almas, conhecidas na religião, que se juntam ao seu Criador. Nessa dualidade de criador, inicialmente humano e finalmente computador, as raças se mesclam durante o conto invertendo suas características. Os humanos, com nomes cada vez menos humanos e mais “máquinas”, a exemplo do VJ-23X, e o supercomputador cada vez mais humano, criando consciência ao dialogar com o Humano.
A questão principal do conto, sobre o aumento máximo da entropia e a consequente escuridão de todo o universo, relaciona a Física com a Filosofia: o “pra sempre” que acaba quando as fontes de energia das estrelas se esgotam, obrigando os seres humanos a migrarem para novos lugares do espaço e a buscar um método de vida eterna, mas tendo de encarar a realidade de que a Física impõe um fim. O imediatismo dos humanos, em apenas sobreviver ao iminente esgotamento da sua fonte de energia atual, releva a questão da extinção da espécie quando a possibilidade de impedir o desgaste do universo se torna uma pergunta apenas curiosa. Na falta de uma solução dada pelo supercomputador, a aceitação e o comodismo do fado humano forma um enredo em que o presente é mais importante que o futuro.
Apesar do conhecimento prévio sobre entropia ser um diferencial, não chega a ser uma regra para a leitura do conto: o público-alvo não possui limitação de faixa etária, por não ter conteúdo censurável, e não exige que o leitor pertença à algum nicho social. Autor de inúmeras obras, Isaac Asimov constrói A Última Pergunta de maneira a fazer jus ao título de um dos “três grandes” mestres da ficção científica. Para quem se interessa por física, filosofia, transumanismo e teologia, a leitura faz-se necessária.